Na cozinha com amor

Foi dormir decidida a fazer um bolo. Na manhã seguinte, acordou cedo e foi caminhando pela garoa até os ingredientes. Não precisava de muita coisa, só passear pelo caminho enquanto repassava a receita na cabeça. Não encontrou ninguém que pudesse opinar sobre o sabor. Decidiu ela mesma escolher em segredo.
Colocou tudo em cima da mesa, aqueceu o forno e foi alternando entre o que já sabia fazer e o que improvisava. Misturou tudo com cuidado para não transbordar e não empelotar. A massa tinha ficado roxa. Queria que o bolo ficasse fofinho para poder dividir com os vizinhos. Gostava sempre de agradá-los na esperança que ficassem mais simpáticos com o tempo. Não desistia de acreditar nisso embora soubesse que esse dia estava longe. Mal sabia quem eram as pessoas que moravam ao seu lado, mas tinha certeza que gostariam de receber uma fatia de bolo. Cozinhava para os outros.
Sentou para esperar com seu ar sonhador. Podia sentir o cheiro do bolo a quilômetros de gerações. A esperança era que no final sua cara vazia de enchesse de contentamento pela obra criada. Seria tudo comido, até o fim, não importava o resultado, queria partilhar. Vigiava vez ou outra para preencher o tempo e ter a certeza de que tudo seguia conforme o pensado.
De um momento para o outro, se distraiu e percebeu o cheiro de queimado. Não entendeu como aconteceu, mas a recomendação era de que já havia passado do ponto. Com paciência pegou uma xícara de café e começou a analisar o erro. Escuro demais, poderia ter sido a potência elevada do forno o culpado ou ela mesma que se esqueceu das horas. Comeu tudo, até o fim, num processo solitário de mastigação que levou três dias.

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