É curioso – para não dizer contraditório – o lançamento da cartilha sobre proteção de direitos dos jornalistas feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos nesta terça-feira (3). A reedição do texto publicado no governo de Michel Temer, em 2018, reconhece a relevância da proteção dos jornalistas justamente no momento em que o presidente Jair Bolsonaro tem sido bastante criticado por ataques à imprensa e a jornalistas.
A teoria não condiz com a prática. Somente esse ano, já foram identificados três ataques de Bolsonaro a jornalistas. Em janeiro, por exemplo, o presidente chegou a afirmar que os jornalistas eram “uma espécie em extinção”. Depois, fez insinuações com cunho sexual contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, e ainda acusou falsamente a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura e do O Estado de S.Paulo, de mentir.
Relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) lançado em janeiro apontou que, durante o ano de 2019, Bolsonaro atacou a imprensa e jornalistas 121 vezes. Ou seja, mais do que lançar uma cartilha sobre proteção de direitos dos jornalistas, o que Bolsonaro precisa é cumprir a orientação do próprio governo e parar com ataques a jornalistas e veículos de comunicação. O presidente e outras autoridades do governo têm de seguir as regras e servir de exemplo para o restante da sociedade.
Como o documento lançado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos estabelece, “as autoridades não devem fazer discursos que exponham jornalistas e outros comunicadores e comunicadoras a maior risco de violência ou aumentem sua vulnerabilidade”. É inadmissível que o aparato do estado brasileiro tente intimidar qualquer meio de comunicação ou jornalista para evitar críticas e denúncias. A imprensa é um pilar fundamental da democracia e deve ser fortalecida.
Cabe aos jornalistas manter a sociedade informada sobre crimes de corrupção, por exemplo. Por isso, aqueles que tentam impedir a divulgação dos fatos na verdade agem contra a transparência no uso do dinheiro público.
Mais do que Bolsonaro e seus aliados seguirem as orientações da cartilha, é obrigação do Estado realizar campanhas e capacitações de agentes públicos sobre o papel dos jornalistas e de outros comunicadores. Cabe ao Estado reconhecer a importância da liberdade de expressão e de imprensa enquanto direito humano essencial para o devido funcionamento da sociedade democrática.
O mais grave é que no Brasil o aumento no número de agressões a profissionais da imprensa e de campanhas de descrédito dos veículos de comunicação foi provocado principalmente por políticos, responsáveis por 144 ocorrências em 2019, de acordo com a Fenaj. No primeiro ano do governo Bolsonaro, os números alteram um cenário que se mantinha desde 2013, quando agentes da polícia, guardas municipais e cidadãos estavam entre os principais agressores à liberdade de imprensa.