Assim começou o Ipiranga
A história do Ipiranga está profundamente ligada a própria História do Brasil, afinal foi nesta região que, em 1822, D. Pedro I proclamou a independência do País às margens do Ribeirão do Ipiranga. Os relatos sobre a origem do bairro começavam com o povoamento pelos índios Guaianazes.
Eles construíram suas moradas entre a margem direita do Ribeirão de Guapituva e a aldeia do cacique Tibiriça. O local ficou conhecido como Ypiranga (“água vermelha- água barrenta” na língua tupi), nome dado pelos índios ao riacho que cortava. O inicio da ocupação pelos brancos expulsou os Guaianazes para outras regiões e possibilitou a extensão territorial do Ipiranga que chegou ao final do século XVI a ter por volta de 1.500 habitantes, instalados principalmente em muitas chácaras, sítios e pequenas fazendas.
O passo seguinte na expansão da região aconteceu com a chegada dos imigrantes a partir da segunda metade do século passado. Desembarcando no Porto de Santos, estes estrangeiros eram levados para a Hospedaria dos Imigrantes do Brás, onde esperavam oportunidades de emprego.
Muitos, por não conseguir trabalho nas fazendas de café, iniciaram atividades nos locais próximos e o Ipiranga, que anteriormente servia apenas como uma parada de viajantes que percorriam pelo “Caminho do Mar”, a partir de 1875, experimentou grande transformação na área social. Indústrias foram instaladas e os bairros operários se expandiam, onde moradias e estabelecimentos comerciais eram construídos.
As oportunidades de emprego eram geradas de várias maneiras. Alguns trabalhavam nas Oficinas Gerais da Light (surgidas com a instalação do bonde elétrico na cidade em 1900), e outros viviam da habilidade e as ferramentas de suas profissões de origem. O bairro passou a ter inúmeros sapateiros, barbeiros, cesteiros, fotógrafos, costureiras, mascates e ambulantes.
Em 1875, o italiano Giovanni Moretti chega ao Brasil, indo morar na “Chácara da Glória”, localizada no Ipiranga. Depois de participar da fundação, em 1877, de São Caetano do Sul, que também pertencia ao “bairro da independência”, em 1882, ele instalando-se com um açougue na Rua H, a atual Silva Bueno.
O espanhol Pedro Stebal, tornou-se o primeiro corretor de imóveis do bairro, em 1888. O garibaldino Giuseppe Dante veio para o Ipiranga em 1894. Residiu na “Casa do Grito”, onde trabalhou como comerciante, carvoeiro, fabricante de vassouras e fornecedor de areia extraída dos rios Tamanduatei e Ipiranga para as construções do Museu Paulista. O padre José Marchetti chegando no bairro em 1895, fundou o “Orphanato Christovam Colombo”.
A integração das diversas nacionalidades que viviam na região aconteceu nos estabelecimentos de ensino. As primeiras escolas particulares do bairro foram fundadas a partir da última década do século XIX: “Bom Pastor”(1893), “Orphanato Christovam Colombo”(1895), “Asylo de Meninas Orphãs Nossa Senhora Auxiliadora”(1896), “Centro Ipiranga”(1910-1936) e Colégio da Sagrada Família( 1912). Sobre as escolas públicas, o primeiro grupo que se tem notícia se encontra no ano de 1918, o “José Bonifácio”.O esporte também foi elemento importante nesta integração. A clube de futebol, o “Flor do Ypiranga” foi fundado logo após a chegada de Caetano de Domenico no bairro do Grito, em 1913. Na mesma década, foram abertos para a população, o “Vila Independência” e o “Silez F.C”. O CAY (Clube Atlético Ipiranga) foi fundado em 1906, transferindo-se da Água Branca e instalando-se no Sacoman no final rua Bom Pastor.
Na área cultural, “Cine Theatro Brasil” é considerado o primeiro cinema do bairro, construído na rua Thabor em 1924. No local também se realizavam grandes bailes sob o comando do gerente Mansueto De Gregório.
O bonde a burro foi o primeiro meio de transporte coletivo colocado à disposição dos moradores da região. Criado em 1871 pelo engenheiro Nicolau Rodrigo França Leite, chegou ao Ipiranga em 1889 devido ao empenho do Doutor José Vicente de Azevedo. Para os bondes vencerem o limite entre o Cambuci e o Ipiranga, foi necessário o aterramento de parte da Rua Independência, região pantanosa da “Chácara da Glória”.
Em 1904, foram inauguradas no bairro, as linhas percorridas por bondes movidos à tração elétrica: a linha “Ipiranga” e a linha “Fábrica”, ofereceram serviços para a população até 1967. Em 1954, foram instaladas as linhas de ônibus elétrico que servem o bairro.
MUSEU E MONUMENTO
Com o objetivo de preservar o cenário da independência do Brasil, o presidente (como se chamava na época) do Estado de São Paulo, Américo Brasiliense, seguindo os conselhos de Alberto Loefgren, decidiu fundar o Museu Paulista ou Museu do Ipiranga. O local escolhido para a sua instatação foi o Palácio Ipiranga, destinado inicialmente a ser uma escola de engenharia. Com o intuito de aumentar o acervo, a Comissão Geográfica do Estado, responsável pela organização da entidade, comprou o Museu Sertório, fundado pelo coronel Joaquim Sertório, etnógrafo e colecionador.
Durante o governo do Bernardino de Campos, em 1895, o Museu Paulista foi inaugurado, ficando aos cuidados da Secretaria dos Negócios da Educação e Saúde Pública em 1931. No ano de 1935, passou a fazer parte da USP (Universidade de São Paulo) como Instituto de História e Antropologia.
A idéia da construção do Monumento em homenagem à Independência surgiu alguns meses após a Proclamação, mas demorou cem anos até ser concretizada. A primeira sugestão que se tem notícia partiu de Antonio da Silva Prado, o Barão de Iguape, juntamente com um grupo de paulistas.
As obras começaram em outubro de 1825, sendo praticamente esquecidas a partir da renúncia de D.Pedro I, em 7 de abril de 1831. A construção só voltou a ser analisadaa com a visita de D. Pedro II e da imperatriz Tereza Cristina, ao local onde se iniciara a edificação do Monumento. Em 1875, durante o governo de João Theodoro, as obras foram reiniciadas.
No ano de 1917, foi aberto um concurso para escolher o arquiteto que iria encerrar as obras. O engenheiro Nicola Rollo venceu. Mas, devido a contratempos do vitorioso, o escultor italiano Ettore Ximenes foi quem finalizou a construção apesar de ter sofrido diversas críticas por parte de segmentos da sociedade. Com 1.600 m de estrutura global, 12 m de altura, 127 colunas que formam o maciço de concreto, granitos e peças de bronze trazidos da Itália, e trinta figuras em relevo relacionadas à História da Independência, o Monumento só ficou pronto em 1926.
Mas, a inauguração aconteceu no dia 7 de setembro de 1922 (Centenário da Independência), com desfiles militares, salvas de canhões e espetáculos com bandas de música.
JAFET E SAMARONE
Se o Ipiranga foi um forte bairro industrial a partir do início do século, deve isto a duas famílias de imigrantes: Jafet e Samarone. A primeira implantando duas unidades têxteis na região e a outra uma cerâmica. Juntas elas geraram mais de 10 mil empregos diretos. Hoje só restam os galpões das antigas fábricas de tecidos e onde era a cerâmica foram erguidos imóveis comerciais.
Benjamin Jafet foi o primeiro a chegar ao Brasil, em 1887, então com 20 anos. Ele morava no Líbano e teve um sonho de que deveria tentar a vida num outro País. Depois vieram os irmãos Basílio e João, Miguel e Nami. Benjamin passou a trabalhar com mercadorias compradas em Marselha e vendidas na região do Rio, São Paulo e Minas Gerais. Era conhecido como o mascate do Líbano.
Família Jafet, uma das pioneiras
Os irmãos Jafet, que trabalhavam no ramo de tecidos, notando que no Brasil havia poucas indústrias têxteis decidiram implantar uma fábrica no País e escolheram o Ipiranga, que ficava a cinco quilômetros do centro. A área escolhida era um brejo e houve um trabalho intenso para preparar o terreno e construir a fábrica, na rua dos Sorocabanos.
A fábrica se expandiu e a família instalou outra unidade na Vila Carioca, o Lanifício Jafet, também conhecido por “Jafetinho”. Além da Fiação Itapeva, na avenida Presidente Wilson. A tecelagem da Sorocabanos era chamada de “Jafetão. A família trabalhou também nas áreas siderúrgicas e metalúrgicas. Com o decorrer do tempo as duas indústrias se tornaram conhecidas não só a nível nacional como fora do Brasil. Os Jafet, então, passaram a comprar grandes áreas de terras no Ipiranga e Vila Prudente.
As esposas dos diretores do grupo tinham forte atuação na área social e ajudaram na construção do Colégio Cardeal Motta, Hospital Leão XIII, Clube Atlético Ypiranga entre outras entidades. Um conjunto de prédios de apartamentos, existente até hoje, foi construído entre as ruas Manifesto e Patriotas para abrigar os operários, muitos deles vindos de outras regiões.
Com o passar do tempo as tradicionais indústrias fecharam suas portas porque os sucessores foram se desinteressando pelo ramo têxtil. A maioria das mansões da família Jafet no bairro foi vendidas e outras estão alugadas.
Em 1900 chegava ao Brasil, procedente da Itália, Américo Paschoalino Samarone que começou a trabalhar na cerâmica de um francês que acabou dando nome à regiao do Sacomã. O imigrante italiano foi recebendo promoções até chegar a sócio majoritário da indústria que ficava na região onde existe hoje um supermercado. Atrás da cerâmica existia uma enorme lagoa que ficou conhecida como “Buraco da União”, e onde morria muita gente.
Ao fundo Castelo dos Samarones
A cerâmica funcionou até 1950 e seu proprietário construiu um castelo à margem de um lago, onde atualmente é a Praça Altemar Dutra. O castelo foi derrubado em 1968. A família Samarone perdeu grande parte das terras devido as desapropriações pelo Estado e Município para obras do sistema viário.
Na época, contam, existia um enorme arco ligando a mansão à estrada do mar onde atualmente está a favela de Heliópolis. Naquela época, quando explorava a cerâmica, que ficava no ponto final do “Bonde Fábrica”, a família construiu uma creche para os filhos de seus funcionários. Hoje os Samarone estão na quarta geração.