Levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo publicado na terça-feira (24) apontou que a legislação brasileira garante a prerrogativa de foro especial a pelo menos 58.660 pessoas. São autoridades que ocupam mais de 40 tipos de cargos em diversas áreas e níveis da administração pública e têm direito a tratamento diferenciado na Justiça.
A Constituição Federal definiu, por exemplo, que o presidente da República e membros do Congresso Nacional devem ser julgados pelo STF (Supremo Tribunal Federal), enquanto os processos de governadores e desembargadores são levados ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Mas, as Constituições de alguns Estados ampliam o foro para comandantes de polícia e bombeiros, titulares de empresas públicas e vereadores. Assim, chegamos ao total de mais de 58 mil pessoas com foro privilegiado.
A avaliação de diversos especialistas, entre eles o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, é de que o foro privilegiado destinado a um número tão elevado de pessoas contribui para a morosidade da Justiça. Como bem disse a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “uma Justiça que tarda é uma Justiça que falha”.
O princípio de presunção da inocência é fundamental, mas executar uma sentença somente após quatro instâncias judiciais confirmarem uma condenação é um exagero. O sistema recursal brasileiro só atende aos mais ricos, ou seja, aos réus que podem pagar advogados caríssimos.
A operação Lava Jato é um bom exemplo. Muitos acusados que não têm foro privilegiado já estão cumprindo as suas penas atrás das grades, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. Já aqueles estão sendo julgados pelo STF continuam em liberdade.
Enquanto isso, a proposta que pretende restringir o foro especial aos presidentes da República (e vice), da Câmara, do Senado e do STF está emperrada no Congresso. E o motivo é muito simples: para a maioria dos parlamentares, o modelo atual está ótimo. Prova disso é que nem todos os partidos indicaram seus membros para atuar em uma comissão especial criada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para cuidar do assunto. Trata-se, na verdade, de um artifício para desacelerar a tramitação, como admite o próprio relator Efraim Filho (DEM-PB).
Todos os cidadãos têm de ser iguais perante a lei. Qualquer tipo de diferenciação aniquila o sistema de Justiça. Por isso, é preciso discutir uma modificação da Constituição brasileira e do novo código de processo civil.
Políticos, juízes, promotores e advogados e representantes da sociedade precisam ser convocados para defender suas posições. Neste debate, no entanto, diferenças ideológicas devem ser deixadas de lado. O mais importante é pensar no melhor para o Brasil. É fundamental centrar a discussão nos efeitos que a restrição do foro privilegiado trará ao sistema penal brasileiro. É preciso saber separar o joio do trigo e não confundir foro privilegiado com impunidade. Toda e qualquer pessoa que cometer ato ilícito deve ser punida com o mais alto rigor da lei, independentemente do tribunal. Doa a quem doer.
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